O Homem-de-lata afunda a pata no acelerador de sua caranga de carne-e-osso. Avança sobre o centro nervoso da cidade desalmada afim de lançar o coração como granada. A missão cumprida lança-o à rotina. Homem-de-lata envasa à direçao de sua casa num vôo propulsionado a tapa na nuca, cascudo na carapinha, movido a preguiça - como que içado pelos pentelhos de bombril por uma pinça. Estaciona na garagem do prédio de carne-e-osso. Senta-se no sofá de fígado e abrindo uma latinha de sangue estupidamente barato encrosta-se na sua tv de cartilagem plana. Dorme homem-de-lata, dorme. Adentra essa mata de fibra ótica sob este céu de fusíveis. veja como é belo o mar de gasolina quebrando nos bytes da praia. Sonha homem-de-lata, sonha. O que não te fortalece te mata. Há de haver um lugar onde a vida é só aço, madeira, ferro, plástico. O mundo é também dos que apenas sonham que podem conquistá-lo. Homem de lata, acorda sobressaltado. Onde haverá pedra neste mundo, pensa, estou farto de semi-máquinas. Senta-se à escrivaninha de gordura e, lembrando-se do amanhã, escreve em seu notebook de estrias:
"Rio de janeiro. Menos 20 graus. Os patinadores cavalgam parelhos no espelho de gelo da lagoa. O Cristo Redentor, quase irreconhecível assim, com a neve cobrindo-lhe o dorso das mãos, pés, braços, ombros, cabeça… não fosse a justa localização e tamanho poderia se suspeitar que fosse outrem ali: Um king-kong petrificado no apogeu da escalada; uma esfinge, de pé, propondo a pantomima de seu enigma; a Estátua da Liberdade - renunciando à tocha, os braços semi-erguidos como asas, livre; quiçá a Torre Eiffel obesa ou mesmo um patético espantalho gigante afugentando o sol… queda lentamente escorada pelo absoluto silêncio, este silêncio hibernado há mais de 500 anos, lapidando as hélices dos flocos para o desbunde branco. Casais sobre esquis descem o Pão-de-Açucar. Na Baía de Guanabara vê-se um pai que puxa o filho num trenó. Pingüins aplaudem a aurora boreal no Posto 9. Vai mesmo que o Pau-Brasil cisma de desbotar na Polônia e uma ave gargarejar na Rússia! Uzbequistão e suas palmeiras do mangue… Sibéria, 40°. Hoje, aqui, são as neves de março que fecham o verão. E promessa nenhuma. Nunca mais."
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